Quem não pega as linhas A ou B da CPTM nem costuma visitar a Editora Três provavelmente jamais tenha passado pela Lapa de Baixo, apelidada carinhosamente de “Bangladesh” pela galera da redação.
Bairro decadente de origem industrial, esse canto espremido entre a Barra Funda e o Piqueri, quase na marginal Tietê, fez parte da minha rotina por quase quatro anos.
As ruas ao redor da estação de trem têm nomes de engenheiros ingleses, como Fox, Harrison e Willian Speers --homenagem àqueles que construíram a São Paulo Railway, que ligou Santos a Jundiaí, via Lapa, a partir de 1867. Todos os dias que passei lá, amaldiçoei as lotações com buzinas engraçadinhas, o comércio informal que impede o fluxo de pedestres na calçada, as biroscas pé-sujo, e os mercadinhos sobrevoados por moscas.
Hoje, porém, lembro com nostalgia daquele tempo em que cruzava com meia-dúzia de vira-latas no caminho do estacionamento pro trabalho e sentia o cheiro de frango assado nas televisões de cachorro.
Outro dia fiquei sabendo que o Oásis (karaokê de dia, bordel à noite) fechou. Não foram poucas as manhãs em que ouvi uma voz aguda e desafinada entoar “Vou choraaaar, desculpe, mas eu vou choraaaaar...” ao microfone.
Sob as chaminés das antigas olarias da região, a fauna é composta de ambulantes barulhentos, trabalhadores que pulam o muro da estação para não pagar a passagem e prostitutas à porta dos hotéis baratos. Às sextas-feiras, as padocas e botecos espalham mesas de alumínio pela calçada e aumentam o som do radinho. Forró e cerveja rolam soltos – até os vira-latas participam.
Na Lapa de Baixo, há história a cada esquina, lendas que sobrevivem e uma doçaria que vende brigadeiros divinos.
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