Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Wednesday, April 05, 2006

Suburbano Coração

Nos conhecemos no ponto de ônibus. Ele puxou papo, eu fui simpática. Íamos na mesma direção e, timidamente, ele se sentou ao meu lado. Descobrimos que éramos vizinhos. Eu morava no número 219, e ele, no 261 da mesma Chamberlayne Road.

Uma semana depois, quando caminhava até o ponto, o vi de longe, encostado no muro à espera do 52. Não sorriu para mim, mas reparou no meu novo corte de cabelo. E eu percebi que seus fios eram levemente grisalhos.
Tinha algo de másculo em seus ombros largos e de sensível no seu olhar triste.
Dessa vez, pediu meu telefone.
Começamos a nos encontrar. Uma, duas, três vezes por semana. Depois do trabalho ou aos domingos de tarde.
Ele abria a porta de roupão e chinelos, me dava um beijo rápido e perguntava com seu forte sotaque: “hello, baby, how´re you doing?”. Sempre me esperava com uma xícara de chá verde com hortelã colhido do jardim dos fundos.
Bebíamos, conversávamos um pouco e, por fim, nos metíamos em seu minúsculo quarto de fundos. Eram apenas cinco metros quadrados onde mal cabiam a cama de solteiro, a televisão e o armário.

Trocávamos idéias sobre o noticiário da tevê. Eu pouco falava da minha vida pregressa. Não importava. O que valia é que naquele momento éramos iguais. Eu, babá, ele, pedreiro. Eu, católica não-praticante. Ele, mulçumano desgarrado. Imigrantes do terceiro mundo, batalhando por um lugar ao sol naquela cidade multiétnica e louca.

E afogávamos nossas frustrações, nossa solidão e o cansaço no sexo. Enchíamos aquele cubículo de suor, saliva e gozo.

Um dia, por razões diferentes, choramos juntos.

Então vieram as bombas nos metrôs, e a situação dele se complicou. Ilegal, de origem árabe, não conseguia trabalho. Devia vários meses de aluguel e, por vezes, passava o dia sem ter o que comer. Deprimido, se fechava semanas no quartinho.
Eu nada fiz para ajudá-lo. Acabei me mudando do bairro e fui embora sem me despedir.
Alguns meses depois, passei pela Chamberlayne Road. Desci naquele mesmo ponto e lembrei de nós, caminhando rua abaixo de mãos dadas, rindo, brincando, em direção à lavanderia ou à videolocadora. Fitei, por vários minutos, a porta branca da casa 261. Não tive coragem de bater.

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9 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Olá, tudo bem!
Adorei seu blog, o texto é ótimo e passa um sentimento que não sei nem explicar.
Parabéns
Só não vou colocar o endereço do meu para você dar uma olhada e ver o que acha, porque faz dois meses que não atualizo... Mas logo vou voltar a cuidar do bichinho rssrs
Abraços e espero que escreva textos cada vez melhores...

11:38 AM  
Anonymous Anonymous said...

Belo texto. Muitíssimo bem escrito. Cheguei até aqui pelo EC. Às vezes é bom não ter identidade, assim podemos escrever com mais liberdade. Boa sorte,M.
PS.: Diante do seu texto fiquei com vergonha de colocar o meu blog, que apenas uma brincadeirinha.

1:57 PM  
Blogger Marina said...

Marcos e Viviane, muito obrigada pelo incentivo. É muito importante, nesse começo. E não se acanhem, gostaria muito conhecer os blogs de vcs. Voltem sempre.

2:15 PM  
Anonymous Anonymous said...

Fazendo sucesso, heim, mascarada?

2:48 PM  
Anonymous Anonymous said...

Que beleza de texto!

3:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sensacional! E sem chance de vc não atualizar, assim como fez com seu primeiro blog. Não vou deixar vc parar.

5:13 PM  
Anonymous Anonymous said...

Masá M. hein....
Que belo texto.
Tb, com minha super contribuição!!!
Pedi pra alterar um mínimo detalhe, que deu toda uma fluência e credibilidade ao texto....

No mais, o que posso alegar é a veracidade da história. Aliás, sou um dos únicos que conhece o referido.

Qto ao talento de M., não se assustem. Muito mais vem por ai. Podem preparar-se.


M, pra ti eu só posso desejar mil beijundas, como diria nossa melhor amiga em comum.....

Só uma coisa, vou ter que ficar com essa frescura de te chamar de M??

Então eu vou ser o J.

hahahahah

Ti voglio molto benne.

8:32 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ahhhhhh, eu conheco essa historia! Nem precisei ler o texto todo...M. e o mundo arabe! Saudades imensas, amiga.

11:56 AM  
Blogger jardinière said...

Querida Mascarada,
Queria dizer que vc está escrevendo muito bem. Mesmo conhecendo a história contada, tenho de dizer que o texto a enriquece ainda mais.
Sua relação com o mundo árabe não pára. Fui entrar nessa nova casa sua de memória e esqueci do "le" antes do "balmasque"; se vc tentar, vai entender, coincidência das concidências, por que digo isso!

5:19 PM  

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