Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Thursday, April 06, 2006

Os amantes da galeria

Chovia torrencialmente na cidade, e o movimento das lojas era maior do que o normal. Executivos, secretárias e boys atravessavam apressados, fazendo da galeria passagem e abrigo. Somente eu não parecia estar ocupado naquela manhã de terça-feira.

Observava o vai-e-vem frenético quando a mocinha se aproximou e me perguntou as horas. Era jovem, muito jovem. Cabelos nos ombros, longas pernas metidas numa calça jeans. Usava tênis e trazia um livro na mão. Tinha os mais belos olhos castanhos que já vi na vida. Brilhantes, expressivos. Olhos de menina.
Afastou-se e encostou numa coluna em frente ao velho cinema desativado. Esperava.

Ele chegou vinte minutos depois. Uns 35 anos, alto, ascendência italiana marcante. Uma pinta no queixo. Vestia calça e camisa social. Trazia um jaleco branco dobrado no braço. Seus olhos, opacos, vidrados. Olhos de capitu.
Cumprimentaram-se com um beijo no rosto. Ele a observou. Ela fitou o chão. Pouco se falaram, e calados, caminharam lado a lado, rua afora.

Minha curiosidade era incontrolável. Tratava-se de um encontro secreto? Seriam amantes? Seria esta a primeira vez que se encontravam na porta do cinema abandonado? De onde se conheciam?
Alguém mais havia reparado neles?
Tinha algo naquele casal que me fascinava. Talvez a diferença de idade, de estilos, de olhares.

Na semana seguinte, no mesmo horário, lá estava a menina de novo, encostada no mesmo pilar diante da entrada da sala vazia. Dessa vez, aguardou 40 minutos. Sua aflição era visível, mas desapareceu assim que o viu despontar no topo da escada.

E a cena se repetiu durante meses. Todas as terças, às 11 horas, a garota dos olhos castanhos esperava. Ele surgia atrasado, apressado. E seguiam juntos. A um outro cinema? A um quarto de hotel? A um apartamento? Eu não sabia... mas fantasiava.

Até que numa manhã gélida de inverno, algo diferente aconteceu. Ele apareceu célere na porta da galeria. Subiu até o cinema, olhou em volta, e não a viu. Com o cenho franzido, sacou o celular do bolso. Discou, esperou. Bufou. Encostou-se no pilar, tenso, e olhou em volta mais uma vez. Tentou o telefone de novo. Esperou 10, 20, 30 minutos.
Quando passou por mim, passos lentos e ombros caídos, posso jurar: lágrimas marejavam seus olhos de ressaca.

Labels: ,

4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Não sei se aguentaria a curiosidade. Acho que tentaria me aproximar e saber do que se trata.

4:41 AM  
Anonymous Anonymous said...

tenso, belo e despretensioso - e parece ficar melhor a cada texto

1:31 PM  
Anonymous Anonymous said...

Lindo.

3:11 PM  
Anonymous Anonymous said...

Alerta vermelho! Não teve post dia 7, é?

4:41 PM  

Post a Comment

<< Home

<