Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Wednesday, April 19, 2006

Before Sunset

Se eu fosse escolher um momento, um só, entre todos que vivemos, apontaria um certo entardecer quando, sentados lado a lado frente ao mar, nos pusemos a ler.
Eu mergulhava numa edição portuguesa de “Se um Viajante numa Noite de Inverno”, do Ítalo Calvino. Você se entretinha com um daqueles autores que adorava, Hobsbawn ou Chomsky.
Não foi a única vez que estive contigo nessa mesma praia, nesse mesmo horário. Era uma quase-rotina dos nossos verões. Ler, com os pés afundados na areia, fazendo uso dos últimos raios do dia.
Mas esse fim de tarde em particular me marcou, ficou. Me dei conta de que um momento tão simples, banal até, podia me trazer uma alegria serena que só consigo traduzir como... felicidade.
O mar refletia prateado. E a brisa me descabelava um pouco. Nossa praia de areia branca e fofa era uma baiazinha cercada de gigantes ondas verdes da Serra do Mar. Estava quase deserta. O dia havia sido quente, mas naquela altura os guarda-sóis, os ambulantes, os baldinhos e as pazinhas já tinham liberado o espaço. Os últimos surfistas, pranchas debaixo do braço, estavam indo embora. Uma ou outra bicicleta ainda passeava diante de nós, mas o que sobrava mesmo, naquele início de crepúsculo, era o contorno escuro da ilha de Alcatrazes bem à nossa frente, em contraste com o céu pincelado de cores quentes.
Quase não existiam palavras. Nem mesmo beijos – daqueles carinhosos ou dos ardentes. O que havia era cumplicidade, um conhecimento do outro que não necessitava nada além de breves toques, olhares e sorrisos.
Por uma ou duas vezes, me entusiasmei e repeti um trecho do Calvino em voz alta pra você. Mas logo o silêncio voltava embalado pelo barulhinho das ondas. O som parecia mais alto do que durante o dia, mas o ritmo ficava mais preguiçoso com o passar das horas.
Lentamente, a noite chegou, mas a vontade de retornar à casa, não. Fechamos nossos livros, e ficamos ali, jogados nas cadeiras, pernas encostadas, mãos dadas. Só a lamparina amarela de um barquinho de pescador quebrava a escuridão do mar.
E foi nesse instante que elegi o pôr-do-sol o meu horário preferido na praia. E você, a minha pessoa preferida na vida.

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5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

A felicidade às vezes é tão simples e concreta que a gente pode até tocar.

4:38 AM  
Anonymous Anonymous said...

Quase chorei lendo isso. É tão fácil ser feliz, né? Nessas horas que vemos o quanto complicar é doença.

10:45 AM  
Anonymous Anonymous said...

Má, depois de ser contextualizada, suas palavras soaram ainda melhores. Compreendi como ninguém o implícito e o explícito. Lindo!

6:43 PM  
Blogger jardinière said...

é tão fácil estar feliz, talvez. talvez a gente estrague, complique pensando que esse tipo de felicidade (haveria outro?) poderia ser um estado permanente. acho que não.
certas coisas só operam por contraste mesmo...

6:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

Relendo isso agora lembrei de histórias que vc me contou, há algum tempo, sobre suas viagens "adolescentes" à praia...
bjs

1:48 PM  

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