Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Tuesday, November 14, 2006

Rosa-dos-ventos

1995
Sentado no degrau mais alto da escadaria do Tênis Clube, ele falava. E eu, ao seu lado, ouvia.
Sabíamos da existência um do outro havia tempo. Ele era o colírio da Capricho, o garoto-propaganda dos anos 90. Eu era filha da amiga da mãe dele.
Me confidenciava que em breve largaria tudo, mudaria de rumo. O glamour da carreira de modelo seria uma lembrança. A frenética vida na cidade grande estaria distante. Sua bússola o levava à simplicidade.
Eu, quase uma década mais nova, começava a traçar meu próprio caminho. Estava no primeiro ano de jornalismo, namorava um colega de faculdade e sonhava em ser globetrotter. Meu destino era o mundo.
O acaso fez nossas linhas se cruzarem naquela tarde de sábado, e por alguns momentos, cogitamos a possibilidade de entortá-las até se tornarem paralelas.
Mas logo constatamos, calados: elas seguiriam, inexoravelmente, a pontos cardeais opostos.
E, melancólica, eu o vi descer as escadas e partir, sentido Sul.


2005
Era um sábado tão quente quanto aquele de dez anos antes e um passeio ao ar livre pareceu uma boa opção. Perdida entre as árvores, fui parar na Feira Orgânica do parque.
Em meio aos aromas de frutas e ao zum-zum-zum de feirantes e fregueses, eu o vi.
Os pés-de-galinha e o cabelo grisalho não me confundiram. Era ele. Atarefado e sorridente. Mais velho e encorpado.
Parei ao lado da barraca sem saber direito o que fazer, me perguntando se seria reconhecida -- na última década, havia aumentado dois manequins e diminuído vários centímetros do cabelo.
Fui surpreendida quando ele se dirigiu a mim, com o semblante impassível: “O que vai querer hoje, moça?”
“Ahn? Eu...err....um quilo de, de... tomates! Por favor...”, soltei, e respirei aliviada.
Rapidamente, ele me entregou as compras, enquanto eu, atrapalhada, buscava o dinheiro na bolsa. Mesmo de cabeça baixa, senti o olhar dele mudar. Um misto de curiosidade e dúvida se desenhou em sua face. Por um segundo, achei que me diria algo. Mas apenas continuou me observando, buscando uma história para o meu rosto.
Decidi não me revelar, e de sacola no braço, parti, sentido Norte.

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6 Comments:

Blogger Paulo C. said...

"A vida é a arte do encontro... embora haja tanto desencontro pela vida."
Putz, Má... que texto lindo... As duas últimas linhas de cada bloco...cada uma apontando um destino... que coisa bonita... e melancólica... dolorida, mesmo. Esse romantismo seu... não sei...não sei...

8:24 PM  
Blogger The White Rabbit said...

Caramba... me emocionei com esse texto.
Adoro quando vc escreve assim - parte ficção, parte realidade... e escreve muito bem. Estava ansiosa por um post como este.
xxx

9:19 PM  
Anonymous Anonymous said...

Como é bom ler textos assim aqui. Este é demais.

9:27 PM  
Anonymous Anonymous said...

amiga, fiquei me perguntando quem seria esse rapaz. de modelo para feirante...
amei, Má.

10:42 AM  
Anonymous Anonymous said...

Surreal. Pronuncia qq palavra deve ter ficado difícil mesmo.

12:01 PM  
Anonymous Anonymous said...

Marina, curti seu blog! E este texto é daqueles que faz a gente parar pra pensar, e ficar com aquela pontinha de dúvida: realidade ou ficção?
Muito bonito.
bêjo!

7:01 PM  

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