Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Sunday, May 07, 2006

A Fotografia

Aquela fotografia não era a única na sala de visitas, mas, por alguma razão ainda misteriosa, se destacava das demais. Aos meus olhos, pelo menos.
Eu estava hipnotizada pela imagem em preto-e-branco daquele moço bonito sentado no chão, um braço erguido, longa franja caindo no rosto, sorrindo provocante, com ar de quem tudo podia.
Tentava me concentrar na conversa, nos livros da estante, nas relíquias de viagem espalhadas pelo apartamento, mas minha curiosidade não se dissipava. Ato contínuo, minha atenção era atraída para o canto onde o porta-retrato pousava sobre o móvel.
Era um retrato antigo. Percebia-se. Anos 60. Jeitão nouvelle vague. Não era do seu Antonio, dono da casa. Nem de ninguém que eu conhecia.
Estaria eu sofrendo de nostalgia do não-vivido? Seria uma repentina paixão platônica? Ou ele me recordava alguém?
Sentia urgência em saber sobre aquela foto, sobre aquele homem.
Logo descobri: seu nome era Mario della Valle, amigo de muitos anos do meu anfitrião. A foto tinha sido tirada havia mais de três décadas, no quarto do seu Antonio na Pensione Danubio, em Roma.
Mario della Valle era filósofo, discípulo de Piaget, uma mente extraordinária e maluca, segundo me contaram.
Flertava incessantemente com o perigo. Provou de tudo. Foi preso por porte de drogas em terra estrangeira (Marrocos, talvez, ninguém soube me precisar) e seu passatempo predileto era arquitetar grandes roubos.
Planejou uma pilhagem ao Museu do Vaticano. Esteve lá inúmeras vezes e tinha até um projeto desenhado.
Uma noite chegou às vias de fato e, com um amigo, invadiu uma peleteria. E saiu distribuindo casacos de pele para as amigas.
Tinha uma namorada eterna, Laura, com quem chegou a se casar. Mas a traía muito e sempre.
Foi e dizia que seria assim, “até que viesse o câncer libertador”. E veio cedo, muito cedo, em meados dos anos 80. Uma estranha doença óssea que talvez hoje se diagnosticasse como AIDS.
Recentemente, fui presenteada com uma “foto da foto”. E agora, Mario della Valle, essa estrela intensa e fugaz que nunca pisou no Brasil e nem imaginava a internet, continua a reluzir. Na sala de estar de um apartamento em Niterói e neste baile de máscaras virtual.


Obs. Agradecimentos a Francesca, Inês e Érico.

Labels:

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Mario della Valle. Nem conheci, mas gosto dele.

4:27 PM  
Anonymous Anonymous said...

Concordo com o que o Rodrigo disse... até porque me parece impossível não gostar! Beijos e boa semana

10:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

Ele transmite vida no sorriso dele, difícil n se encantar pela foto e sabendo da história, pela pessoa.

2:10 PM  
Anonymous Anonymous said...

O sorriso na foto é mesmo hipnotizador.

2:27 PM  
Blogger jardinière said...

Querida, vc disse tudo em "com ar de quem tudo podia". Acho que ele pensava, sentia que podia tudo mesmo. Viveu a vida assim. Meu pai se emocionaria muito com isso, vc me permite enviar para ele?
Um beijo - F.

5:08 PM  

Post a Comment

<< Home

<