Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Tuesday, May 06, 2008

Maria Emília

O Rio de Janeiro, para mim, já teve muitas caras e anfitriões.
Mas o primeiro rosto que associei à cidade maravilhosa foi o da Maria Emília.
Ela era amiga da minha avó. Na verdade, tinha sido professora de corte e costura - ou talvez de boas maneiras, em Campinas. E minha avó foi sua aluna.
Quando eu era criança, a Maria Emília era a pessoa mais velha que eu conhecia. Pelas minhas contas, tinha mais de 70 anos, e era viúva de um major do exército.
Pequenina, com os cabelos tingidos de vermelho vivo, ela tinha o sotaque carioca carregado, a voz firme e uma sisudez que me amedrontava e divertia ao mesmo tempo.
A Maria Emília vinha passar temporadas em São Paulo, mas toda vez que íamos ao Rio, passar na rua São Clemente, em Botafogo, era programa obrigatório.
Eu detestava. O apartamento da Maria Emília cheirava a xixi de gato, e eu queria mais era passear no bondinho.
Ela pegava os bichanos abandonados na rua para cuidar. Chegou a ter doze, todos batizados com diminutivos: Luluzinha, Chiquinho, Manézinho, Mariazinha...
Eu e meus irmãos adorávamos perguntar: “E a Mariazinha?”
“Caiu da janela!”, ela contava.
“E a Luluzinha?”
“Teve cinco gatinhos!”
Aos poucos, foram-se os felinos, mas outros gatunos vieram.
Com 90 anos, Maria Emília trazia "namorados" várias décadas mais novos para morar consigo (Na época, eu achava que ela estava ficando lelé, mas hoje penso que talvez fosse o desespero da solidão).
Cada um levou um pouco, até a Maria Emília ficar sem móveis, sem apartamento, sem dinheiro.
Das últimas vezes, quando minha tia lhe telefonava, ela achava que estava falando com a minha avó.

Em janeiro deste ano, a Maria Emília morreu. Tinha 102 anos.

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9 Comments:

Blogger Andréa said...

Poxa, parece que ela morreu feliz. Viveu mesmo. Isso é que conta. Espero que ela tenha ido pra algum lugar bem bom. E cheio de gatos e homens bons.

11:32 AM  
Blogger Camila said...

Impressionante como velhinhos gostam de gatos. E como nos recordamos de histórias há tanto esquecidas quando alguém morre. Feliz pelo seu retorno.

12:35 PM  
Blogger F. said...

Olá M., que bom que voltastes. Você já tinha me contado essa história da Maria Emília uma vez, quando eu era um dos seus anfitriões lá na Casa da Lagoa... Bom, a partir de junho, provavelmente, vamos ter uma Casa de Luanda definitiva. Se estiver passando por Angola, já tens onde ficar... bjs.

3:40 PM  
Anonymous Anonymous said...

Nem acredito! M. voltou!

Amei a história, como sempre.

Muito fofa essa Maria Emilia. E chegar aos 102 anos? Só aqui na Italia isso parece normal, rsrs.

Curioso que sempre que alguém me conta uma história de uma personagem do RJ, sempre tem um toque de glamour e decadência. Foi o que a tua história me passou.

3:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Adorei a história!!!
Você esqueceu dos estranhos presentinhos cheirando naftalina... Bjos
Sister

7:51 PM  
Blogger Don Rodrigone said...

Adorei. Promete que não vai deixar mais a gente tanto tempo sem seus textos, promete?

3:47 PM  
Anonymous Anonymous said...

Sabe o que acho encantador neste blog? Vc ficou dois meses sem atualizar, eu tinha certeza que o blog estava encerrado. Mas aí vc publica um post e ele tem 6 comentários em dois dias. As pessoas (me incluo na lista) gostam tanto dos seus textos que passam por aqui mesmo quando não há nada novo para ler. Na esperança de um dia pintar um novo post.

3:25 AM  
Blogger Celina said...

Faço minhas as palavras de Don Rodrigone... rs.

12:56 PM  
Blogger Marcos Bonilha said...

Concordo com o Rodrigo.
Dois meses sem atualizar, mas mesmo assim passo aqui todo dia.
Quanto ao texto. Parece que Dna Emília viveu bem a vida. 102 anos não é para todos.
Má, vê se não some tanto tempo. rs

11:06 AM  

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