Trampolim
Ela vai olhar. Tenho certeza que vai. Eu, parado aqui em
cima, satisfeito como um alpinista que chegou ao topo do Everest, devo chamar a
atenção. Estou na ponta da prancha, no ponto mais alto do trampolim. Nunca subi
até aqui. Ela acha que me falta coragem, que sou um molenga, um frouxo. Ela
nunca disse isso, claro, mas eu sei que pensa assim. Ela prefere o João. O
João, sim, joga bola, faz judô, nada até borboleta. Eu tenho medo de mergulhar
de cabeça. Sempre dou barrigada. A pele fica toda vermelha, ardendo. Uma
vergonha.
O que vai fazer quando me ver saltando? Quando me assistir
entrando como uma flecha na água? Vai gritar? Vai aplaudir? Tenho de pular, já
está todo mundo me observando. Menos ela. Até o cara que nadava na raia dois
parou para ver.A moça que toma sol do outro lado do deck também desligou o
celular e está me encarando, com jeito de quem desacredita que eu irei mesmo me
jogar. Bem, que me aguardem!
Vou esperar mais um pouco, só mais um segundo, ela virar o
rosto nesta direção. Olha, olha, olha! Eu estou aqui! Droga. Está ocupada. Está
conversando com a amiga, aquela loura de óculos gigantes. Detesto a loura de
óculos gigantes. Ela parece uma abelha. Vou começar a zunir, será que desse
modo ela vai olhar para mim como olha para a abelhuda?
É sempre assim. Está atarefada demais, distraída demais. A
Teca diz que ela vive no mundo da lua. Estranho isso, ela nunca para para ver a
lua. Nem as estrelas. Nem o desenho que faço das estrelas. E o machucado no meu
joelho, então? Acha que ela reparou? Dói para caramba.
Seus olhos jamais estão disponíveis. Passam pelas águas
agitadas da piscina, pelo colorido das toalhas e boias das outras crianças,
pelo celular que tocou, mas sem focar. Apesar do sol forte do meio-dia, para
ela tudo é neblina. Esse jeito esquisito começou mais ou menos na mesma época
que o papai saiu de casa. E eu virei um borrão no seu campo de visão, embaçado
pelas suas constantes lágrimas.
Mas descobri como mudar isso. Vou ser radical – me jogar do
trampolim mais alto do clube - para ela me notar, ter orgulho de mim. E vou
fazer isso já!
Peraí, estou vendo direito? A cabeça dela está virando?
Vira, vira, olha, olha, por favor... Sim! Finalmente! Ela está me vendo! Olha,
eu aqui, ó! Eu preciso tanto do seu olhar, mãe!
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