1995Sentado no degrau mais alto da escadaria do Tênis Clube, ele falava. E eu, ao seu lado, ouvia.
Sabíamos da existência um do outro havia tempo. Ele era o colírio da Capricho, o garoto-propaganda dos anos 90. Eu era filha da amiga da mãe dele.
Me confidenciava que em breve largaria tudo, mudaria de rumo. O glamour da carreira de modelo seria uma lembrança. A frenética vida na cidade grande estaria distante. Sua bússola o levava à simplicidade.
Eu, quase uma década mais nova, começava a traçar meu próprio caminho. Estava no primeiro ano de jornalismo, namorava um colega de faculdade e sonhava em ser globetrotter. Meu destino era o mundo.
O acaso fez nossas linhas se cruzarem naquela tarde de sábado, e por alguns momentos, cogitamos a possibilidade de entortá-las até se tornarem paralelas.
Mas logo constatamos, calados: elas seguiriam, inexoravelmente, a pontos cardeais opostos.
E, melancólica, eu o vi descer as escadas e partir, sentido Sul.
2005Era um sábado tão quente quanto aquele de dez anos antes e um passeio ao ar livre pareceu uma boa opção. Perdida entre as árvores, fui parar na Feira Orgânica do parque.
Em meio aos aromas de frutas e ao zum-zum-zum de feirantes e fregueses, eu o vi.
Os pés-de-galinha e o cabelo grisalho não me confundiram. Era ele. Atarefado e sorridente. Mais velho e encorpado.
Parei ao lado da barraca sem saber direito o que fazer, me perguntando se seria reconhecida -- na última década, havia aumentado dois manequins e diminuído vários centímetros do cabelo.
Fui surpreendida quando ele se dirigiu a mim, com o semblante impassível: “O que vai querer hoje, moça?”
“Ahn? Eu...err....um quilo de, de... tomates! Por favor...”, soltei, e respirei aliviada.
Rapidamente, ele me entregou as compras, enquanto eu, atrapalhada, buscava o dinheiro na bolsa. Mesmo de cabeça baixa, senti o olhar dele mudar. Um misto de curiosidade e dúvida se desenhou em sua face. Por um segundo, achei que me diria algo. Mas apenas continuou me observando, buscando uma história para o meu rosto.
Decidi não me revelar, e de sacola no braço, parti, sentido Norte.
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