Conto das Manicures
Ela nos vê entrar pelo salão pela primeira vez, ainda meninas, e acompanha o eclodir da nossa vaidade e feminilidade.
Vibra quando chegamos mais magras, com novo corte de cabelo ou com cara de apaixonada. Capricha quando temos um encontro no sábado à noite. Capricha ainda mais quando não temos um encontro há muitos sábados à noite. Chora com as nossas separações e ri com as nossas revanches. Levanta a nossa moral.
Está lá para a gente no dia do aniversário, do casamento ou daquela festa divina que apareceu na última hora. E para muito mais.
Eu tenho horário marcado semanalmente com a Isaura. Converso mais com ela do que com muita amiga com quem não tenho o privilégio de uma hora por semana para papear. Ir à manicure vai além do que simplesmente fazer as unhas. É um ritual feminino, faz parte de ser mulher.
Entre alicates, palitinhos e esmaltes, fico sabendo tudo sobre o novo anti-rugas da Avon, dos preparativos do noivado da filha mais velha e do último milagre do padre Claudio.
Isaura é católica fervorosa, e eu, de quebra, ganho a proteção dos santos. Meu nome está escrito lá entre os pedidos em Aparecida do Norte, levado por ela. E tem graça para mim também no cordão de Santa Filomena.
Isaura me explica que um “homem muito rico” se apaixonou por Filomena. (No Google descubro que se tratava do imperador romano Dioclesiano). Ela tinha 13 anos, queria ser freira, e havia feito voto de castidade. Negou-se a casar. O imperador, então, mandou decapitá-la. Virou Santa Filomena, a protetora dos jovens. Cada novo nó no cordão significa uma súplica atendida.
Antigamente quem guerreava com as minhas cutículas era a Two (chamava-se Tânia, mas como havia mais uma no salão...). Essa era devota mesmo do candomblé e da balada. Sacudia a lixa no alto, enquanto contava, raivosa: na noite anterior, enciumada e bêbada, havia subido no capô do carro novo do namorado e rodopiado sobre o salto 15.
Mas Two tinha seu lado intelectual, era fã de Herman Hesse e dos beatniks. Trocávamos livros e discutíamos literatura. Só interrompíamos pra decidir se era dia de Renda ou Gabriela.
Manicure é um pouco terapeuta. Escuta os desabafos e, baseada na grande amostragem de histórias das clientes, dá conselhos.
Uma amiga ouviu da sua manicure a solução para a falta de namorado. “Faça como eu, coloca teu nome na lista de visitas do cadeião. Tá cheio de homem a fim de compromisso lá. E, olha, nunca fui tão feliz na cama -- ou no colchonete, no caso --, como sou com o Diogão”, revelou.
Bem, uma coisa é certa: seu homem nunca vai sumir. Ela sabe exatamente onde encontrá-lo.
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