O Conto *
Por Jardiniére, Don Rodrigone, Paulo de Tarso, Ligia, Viviane, Ferdi, Marcos Bonilha, Andréa N., Tici, Pri, Anônimo, Kiki, Sall, Mari Veltri, Danielle Chevy, Rodrigo Borges e M.
Do alto do arranha-céu, sentado na laje, Raimundo via formiguinhas. Pontos escuros, na maioria; aqui e ali se adivinhavam detalhes. Detalhes que caminhavam e engalfinhavam-se freneticamente numa passeata hipotética.
Era o seu momento preferido do dia, depois do almoço. Pensava que aquilo era muito mais interessante que sua marmita... Às vezes, hipnotizado, até esquecia de comer a gororoba fria.
Naquele dia em especial estava sem fome. Finalmente a veria. O primeiro reencontro, desde que trocara o Cariri pela metrópole. Jurema levava seus seis filhos, que não via desde... parou pra fazer as contas: "2001", pensou admirado. O último nem vira nascer; nem conhecia... Sentiu as lágrimas. Felicidade, pelo reencontro; angústia, pela esperança que ainda traziam. O que diria à Jurema, quando ela visse a Roseclei?
Roseclei, a mulata que lhe abrira os braços e lhe dera calor na metrópole fria.
A esposa nunca entenderia, concluiu, e fitou, entristecido, a avenida lá embaixo. Tomou fôlego. Despencou da laje. Encontrou às formiguinhas da avenida.
Quando Jurema e suas crias chegaram na rodoviária, perceberam, depois de duas horas esperando, que Raimundo não viria.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, a equipe médica tentava reanimar o corpo estendido no chão. As gotas da chuva lavavam o vermelho que tingira o asfalto e filetes rubros alcançaram a foto amarrotada na mão inerte.
Do canto do olho esquerdo da Jurema real desce a primeira lágrima, na mão do Raimundo mortal o rosto imortalizado de Jurema vai sendo acariciado pelas formigas sobreviventes.
Raimundo acordou assustado. Sabia que não deveria exagerar no almoço. Tinha que ir à rodoviária. Tudo não havia passado de um pesadelo. Bestagem, ainda mais agora que teria Jurema mais Roseclei. Então desceu voando pelas escadas e chegou esbaforido na calçada. No salão da esquina, Roseclei fazia as unhas.
- Nega, tô indo desenrolar aquele angu de que falei - avisou.
- Safado, importou a cururu da Paraíba - comentou Rosiclei com a colega.
O trânsito estava infernal. Teve medo de que Jurema fosse embora com as crianças. Pela janela da lotação cismava, absorto: que vida teria com as duas!!! Riu descaradamente...
Quando chegou na rodoviária, surpresa: havia mais um moleque... Nos braços de Jurema, a criança lançou-lhe um sorriso banguela.
- Diacho de moleque é esse Jurema?
– É do Wellington.
Ele vinha atrás. E ela riu, descaradamente.
* por enquanto, sem título.