Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Saturday, April 29, 2006

Marinheiro Pós-Moderno

Nicolae era comissário de bordo da American Airlines. Vivia pelas grandes metrópoles do mundo, flanando por hotéis, aeroportos e cabines de primeira classe. Falava meia dúzia de palavras em uma dúzia de idiomas e tinha um amor em cada porto.
Em Miami corria para os lençóis da estudante Maria. Em Roma freqüentava o estúdio e as curvas da fotógrafa Carmela. Em São Paulo passava madrugadas na banheira com a enfermeira Beatriz.
Ao contrário dos colegas pilotos, não lhe interessavam as mulheres da balada, conquistas fáceis e sem sedução, muito menos as prostitutas. Nicolae tinha namoradas. Participava de suas vidas, conhecia-lhes as histórias, os amigos, os nomes dos sobrinhos, o que gostavam de comer e o que lhes arrepiava de prazer.
Leonino vaidoso, malhava, fazia as unhas, usava creme hidratante. Era o que chamam hoje de um metrossexual.
Mal lembrava o jovem que havia deixado a pequena propriedade rural da família no Leste Europeu, logo após os turbulentos dias da queda do comunismo.
Haviam sido tempos difíceis aqueles. Empregos eram praticamente impossíveis. Para conseguir um, só pagando propina. Nicolae preferiu pagar uma passagem só de ida para a Itália.
Nas primeiras noites, dormia na estação de trem. Pegou pneumonia e quase foi preso. Foi seu charme e seu sorriso largo que lhe valeram um bico de bartender e uma americana cinco anos mais velha, que lhe ofereceu o corpo quente e o green card. E Nicolae foi fazer a América.
Quando seus cabelos negros começaram a rarear e as namoradas, também, Nicolae se aposentou e sumiu.
Há quem acredite que continua nos Estados Unidos, bebendo nos bares do Queens, em companhia de ex-aeromoças e velhos amigos gays.
Ouvi falar também que voltou para a Romênia e agora toca a plantação de uvas do pai.
Mas eu arrisco um palpite. Acho que Nicolae realizou o sonho que certa vez me confidenciou: comprou um apê no Rio de Janeiro e passeia todas as tardes no calçadão de Copa. Bermudão, óculos de aviador e o indefectível sorriso largo.

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Thursday, April 27, 2006

As Voltas

Fui revirar caixas empoeiradas, gavetas abarrotadas e arquivos de word em busca de velhos escritos meus. A idéia era revisitar, com distanciamento e olhar crítico, os pensamentos adolescentes -- e outros nem tão antigos assim -- a fim de, quem sabe, finalmente publicá-los aqui.
No fundo de um armário encontrei um disquete que continha as duas únicas poesias que escrevi na vida. Em meio a fotografias e diários, me deparei com um recorte de jornal e uma folha de sulfite dobrada.
Por incrível que pareça, os papéis estavam intactos. Já o disquete, aparentemente mais resistente, não teve a mesma sorte. Depois de quase dez anos sem visitar o computador, estava corrompido.
Tentei me conformar com o fato de os poucos versos que ousei rascunhar terem se perdido para todo o sempre, e me voltei para o pedaço tirado do Estadão. Era uma antiga coluna do Mauro Dias que um grande mestre/editor/amigo deixou propositalmente sobre minha mesa de trabalho em uma manhã de março de 1999. Coincidência ou premonição, a crônica, intitulada “Marina foi dar uma volta, um dia volta”, falava de uma jornalista chamada Marina que um dia se cansa da rotina de repórter e vai se aventurar em Londres.
O texto é muito longo para ser reproduzido inteiro aqui, mas aí vai um trecho:
“Ela está começando a segunda década de vida. Foi atingida, acho, pelo espírito de ave de arribação que pega sempre alguns num grupo de adolescentes e jovens. Marina já fez faculdade, tentou trabalhar, acabou achando tudo muito aborrecido, tratou de mudar de ares.”
Depois, me concentrei no outro papel, ainda mais antigo, mas apenas suavemente amarelado. Antes mesmo de desdobrá-lo, eu já o reconhecia. Era um poema. A folha, a letra de mão, a cor da caneta, as palavras me eram muito familiares. No passado, foram tantas vezes lidas, relidas, decoradas, choradas!
Não é de autoria de poeta famoso e nunca ocupou as páginas de um livro, mas na minha (muitíssimo parcial) opinião, sempre será a mais bela das poesias. Por um simples motivo: foi dedicada a mim.

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Wednesday, April 26, 2006

Sunlight in a Cafeteria (1958)

Explicou-me a minha amiga Francesca, mestranda em literatura, que a descrição verbal de uma representação artística visual – seja pintura, escultura etc. -- é chamada de ecfrasis. A forma mais comum de ecfrasis é a poesia, mas nada impede que apareça em prosa.
Antes mesmo de saber disso, eu já pensava em escrever textos inspirados em quadros do Edward Hopper, pintor norte-americano cujas obras sempre me pareceram conter alto teor narrativo e incitavam a minha imaginação.
Aí vai minha primeira tentativa de ecfrasis hopperiana. Talvez tome gosto pelo exercício e outras, melhores, apareçam futuramente no Le Bal Masque.




Era um cara desiludido. Vez ou outra, permitia a si mesmo uma longa pausa em meio a um escaldante dia de trabalho. Tomava um café sem açúcar e fumava prazerosamente um ou dois cigarros. Mantinha a mente vazia, contemplando o parco movimento do lado de fora. Era um cara solitário.

Era uma mulher melancólica. Tinha mesa cativa, perto da porta, estrategicamente posicionada para aproveitar o solzinho da tarde. Entretanto, nem o calor nem a luz lhe traziam alguma alegria. Naquele refúgio público, ficava absorta em lembranças do passado ou remoia pequenos problemas cotidianos. Era uma mulher tensa.

Se percebiam, sem se notarem. Estavam cientes, mas ausentes.
Imóveis, em seus universos paralelos.

Ele nem chegou a desconfiar, mas ela cheirava à lavanda e fazia um pudim de pão igualzinho ao da mãe dele.

Ela nunca soube, mas ele tinha voz de tenor e gostava de rascunhar versos na madrugada.

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Sunday, April 23, 2006

A Festa Nunca Termina


Planejava a minha mudança para a Europa quando assisti pela primeira vez “O Albergue Espanhol”.
Amei! Era exatamente aquele tipo de experiência que eu buscava. Abrir minha mente, conquistar territórios, conhecer o novo: gente diferente, estilos distintos, pensamentos diversos.

No filme, o francês Xavier recebe uma bolsa de estudos e vai para Barcelona fazer pós-graduação. Lá, acaba indo morar numa casa globalizada onde a baderna é instituída, mas um forte senso de camaradagem, também. Com uma pitada de irresponsabilidade e zero de preocupação, a turma vive o presente. A festa nunca termina. Brigas, baladas, risadas e ressacas são vivenciadas intensamente.
Claro que, no final, o aprendizado de Xavier em terras espanholas vai muito além do mestrado em economia. A história termina com o fim do intercâmbio e desse emocionante período na vida do grupo.

“Bonecas Russas”, que está atualmente em cartaz, é a continuação de “O Albergue Espanhol”. Cinco anos depois, Xavier e seus amigos, às vésperas de se tornarem trintões, se reencontram. O cenário mudou.
Há uma certa nostalgia dos tempos de albergue. As trapalhadas amorosas agora têm um sabor agridoce. As frustrações profissionais passam a sensação de que se tomou uma via que não leva para onde primeiramente se sonhou chegar. As cobranças familiares e/ou sociais dão a impressão de que algo saiu errado, muito errado. A soma de tudo faz os personagens finalmente pensarem no FUTURO.

Mais uma vez, me identifiquei. Assim como Xavier e companhia, eu – e percebo, meus amigos também – andamos assombrados pelo “fantasma do natal futuro”.
Outro dia mesmo, quando o mundo inteiro acordava quando a gente ia dormir e as aventuras aconteciam on the road, não podíamos imaginar que esse momento chegaria: descobrimos, finalmente, que a festa termina, sim. Em breve a música vai precisar parar e as luzes se acenderão.

E teremos de encarar uma vida sem estroboscópicas e altos decibéis, mas com filhos, prestações a pagar e, acredito, outra espécie de emoções.

Como vai ser, então? Não sabemos. Se ficaremos bem? Eu diria que sim.

Mas, por enquanto, não importa. Ainda faltam alguns hits para o DJ tocar na balada da minha vida e eu, definitivamente, continuo na pista.

PS. Duas das minhas frases preferidas de “O Albergue Espanhol”:

“When you first arrive in a new city, nothing makes sense. Everything’s unknown, virgin... After you've lived here, walked these streets, you'll know them inside out. You'll know these people. Once you've lived here, crossed this street 10, 20, 1000 times... it'll belong to you because you've lived there. That was about to happen to me, but I didn't know it yet.

“Later, much later, back in Paris, each harrowing ordeal will become an adventure. For some idiotic reason, your most horrific experiences are the stories you most love to tell.”

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Wednesday, April 19, 2006

Before Sunset

Se eu fosse escolher um momento, um só, entre todos que vivemos, apontaria um certo entardecer quando, sentados lado a lado frente ao mar, nos pusemos a ler.
Eu mergulhava numa edição portuguesa de “Se um Viajante numa Noite de Inverno”, do Ítalo Calvino. Você se entretinha com um daqueles autores que adorava, Hobsbawn ou Chomsky.
Não foi a única vez que estive contigo nessa mesma praia, nesse mesmo horário. Era uma quase-rotina dos nossos verões. Ler, com os pés afundados na areia, fazendo uso dos últimos raios do dia.
Mas esse fim de tarde em particular me marcou, ficou. Me dei conta de que um momento tão simples, banal até, podia me trazer uma alegria serena que só consigo traduzir como... felicidade.
O mar refletia prateado. E a brisa me descabelava um pouco. Nossa praia de areia branca e fofa era uma baiazinha cercada de gigantes ondas verdes da Serra do Mar. Estava quase deserta. O dia havia sido quente, mas naquela altura os guarda-sóis, os ambulantes, os baldinhos e as pazinhas já tinham liberado o espaço. Os últimos surfistas, pranchas debaixo do braço, estavam indo embora. Uma ou outra bicicleta ainda passeava diante de nós, mas o que sobrava mesmo, naquele início de crepúsculo, era o contorno escuro da ilha de Alcatrazes bem à nossa frente, em contraste com o céu pincelado de cores quentes.
Quase não existiam palavras. Nem mesmo beijos – daqueles carinhosos ou dos ardentes. O que havia era cumplicidade, um conhecimento do outro que não necessitava nada além de breves toques, olhares e sorrisos.
Por uma ou duas vezes, me entusiasmei e repeti um trecho do Calvino em voz alta pra você. Mas logo o silêncio voltava embalado pelo barulhinho das ondas. O som parecia mais alto do que durante o dia, mas o ritmo ficava mais preguiçoso com o passar das horas.
Lentamente, a noite chegou, mas a vontade de retornar à casa, não. Fechamos nossos livros, e ficamos ali, jogados nas cadeiras, pernas encostadas, mãos dadas. Só a lamparina amarela de um barquinho de pescador quebrava a escuridão do mar.
E foi nesse instante que elegi o pôr-do-sol o meu horário preferido na praia. E você, a minha pessoa preferida na vida.

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Sunday, April 16, 2006

Maldita Geografia

Essa é verídica.
David morava na Inglaterra. Clarinha, no Brasil. Eram jornalistas e se conheceram numa entrevista bacana num hotel mais bacana ainda em Los Angeles.
Foi o namoro mais caro da história. Faziam tilintar a caixa registradora da Embratel quando não estavam na “ponte aérea” São Paulo – Londres.
Um dia, ele deu um basta: “Se você morasse mais perto tudo seria diferente, mas essa distância mata...”, se explicou.
Clarinha compreendia, claro. Chorou um pouco e tratou de esquecer o inglês.
Meses depois, notícias chegaram a sua caixa postal. Ele estava namorando. Uma garota que vivia na CHINA!
“Brasil é longe, mas China é perto. Que lógica é essa?”, pensou Clarinha.
Foi conferir.
E não é que ele tinha razão?
Londres – São Paulo: 5896 milhas
Londres – Beijing: 5059 milhas
“Damn it! Por 837 milhas perdi o cara!”


“Hummmm... se eu morasse no Suriname, talvez ele ainda estivesse comigo...”

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Wednesday, April 12, 2006

Il dottore

Eu tenho um novo amigo. Ele é médico. Eu sempre tive fascinação pelos doutores. Quer dizer, quando criança, tinha medo. Mas depois, namorei um e passei a ouvir atenta e emocionada as histórias do PS, as tristes e as alegres, as de esperança e as de revolta. Tenho especial interesse naqueles casos raros ou difíceis que foram curados pelo brilhantismo – ou pela sorte – de uma equipe.

Acho que a simpatia vem do fato de eles terem optado pela profissão que eu não tive coragem de escolher. E talvez por isso, goste tanto de ressaltar as semelhanças entre a turma do estetoscópio e a galera da redação. Tanto na medicina quanto no jornalismo, é preciso ter uma forte noção de ética, trabalhar 24/7 e sofrer em famigerados plantões. Aos olhos de quem está de fora, as duas carreiras são vistas com admiração e respeito, mas quem está dentro sabe muito bem que não há nada de glamouroso na rotina de um residente ou de um repórter.

Meu amigo é um médico que acredita que pode fazer a diferença nesse mar de lama que é o sistema de saúde pública no Brasil. Faz plantões de 48 horas sem nem ao menos ter uma cadeira para se sentar. Não tem medo de falar duro com os burocratas do hospital e lutar por condições mínimas de trabalho. Seu entusiasmo e integridade, mesmo diante de tantas adversidades, são tocantes. Num meio em que o ego e o dinheiro muitas vezes falam mais alto, ele nunca esquece – e não deixa os outros esquecerem -- que, antes de tudo, está lá para salvar. Ou pelo menos, tentar salvar.

Para ele, não existe a tecla “foda-se”, porque sabe que apertá-la pode significar o fim de uma ou várias vidas.

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Monday, April 10, 2006

Mentiras Sinceras


Saldo do fim de semana: dois filmes, um boteco, uma festa, e, principalmente, duas maravilhosas notícias.

Mas só vou comentar mesmo um dos filmes.

Estava louca para ver “Mentiras Sinceras” (Separate Lies). Não me arrependi.
Se não bastassem as paisagens do countryside inglês -- de tirar o fôlego --, o longa de Julian Fellowes (roteirista de “Assassinato em Gosford Park”) é sensível e tem ótimo roteiro.

James (Tom Wilkinson) e Anne Manning (Emily Watson) formam um casal típico da alta sociedade britânica. Ele, um bem-sucedido advogado da City, ela, uma dona-de-casa vários anos mais jovem.
Sem filhos e com dinheiro, os dois parecem felizes.
Quando um atropelamento fatal acontece perto da casa de campo deles, James acaba descobrindo que Anne tem um caso com Bill (Rupert Everett), o playboy local. Ela e o amante estavam juntos no carro que atingiu o velho jardineiro e fugiram sem prestar socorro.
Unidos pelo triângulo amoroso, marido, mulher e amante também acabam ligados por um pacto de silêncio para encobrir o crime.
Os personagens são extremamente reais em suas qualidades, fraquezas e necessidades. Não há vilões e mocinhos. Cada um tem sua razão e sua ética.
Assim que os letreiros começaram a subir, o rapaz ao meu lado comentou com a companheira: “Que filme estranho!”.
Ele deve ter “estranhado” a falta de clichês ao tratar de traição, amor, perdão e, acima de tudo (essa palavra provavelmente resume o filme), generosidade.
Os Manning não têm um casamento infeliz. Quem revela a traição ao marido é a própria Anne. Quem reaproxima a mulher do amante é o próprio James.
Meu vizinho deve ter esquecido que, na vida, agimos, sim, diferente do que esperam da gente e do que esperamos de nós mesmos.
Só não estamos acostumados a ver isso nas telas do cinema.

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Saturday, April 08, 2006

Happy Endings

Ju, Su e Lu eram amigas. Trabalhavam juntas.

Ju sonhava em morar na Espanha. “Ah, lá, sim, é que é vida...”, afirmava.

Su queria fisgar um francês. “Ah, eles, sim, sabem como tratar uma mulher...”, suspirava.

E Lu? Lu não desejava nada. Só continuar vivendo no seu sobradinho em Santa Cecília e, quem sabe, namorar um cara que morasse a alguns quarteirões dali.

Ju e Su arrastaram Lu para uma excursão pelo velho continente. Dez países em 20 dias. Chegando em Londres, Lu encontrou Ed, um inglês “strawberry blond” que sonhava em conhecer o carnaval. Foi paixão à primeira vista.

Lu descobriu que, realmente, os estrangeiros sabem como tratar uma mulher e se encantou com o estilo de vida europeu.

Hoje mora em Chelsea, passa fins de semana em Paris e o verão, em Marbella. De vez em quando, manda postais para as amigas.

Mas e Ju? E Su?
Ju, como queria, se mandou de São Paulo. Tem um bar na praia de Ubatuba.
E Su se casou, sim, com um moço de fora. De Juiz de Fora.

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Thursday, April 06, 2006

Os amantes da galeria

Chovia torrencialmente na cidade, e o movimento das lojas era maior do que o normal. Executivos, secretárias e boys atravessavam apressados, fazendo da galeria passagem e abrigo. Somente eu não parecia estar ocupado naquela manhã de terça-feira.

Observava o vai-e-vem frenético quando a mocinha se aproximou e me perguntou as horas. Era jovem, muito jovem. Cabelos nos ombros, longas pernas metidas numa calça jeans. Usava tênis e trazia um livro na mão. Tinha os mais belos olhos castanhos que já vi na vida. Brilhantes, expressivos. Olhos de menina.
Afastou-se e encostou numa coluna em frente ao velho cinema desativado. Esperava.

Ele chegou vinte minutos depois. Uns 35 anos, alto, ascendência italiana marcante. Uma pinta no queixo. Vestia calça e camisa social. Trazia um jaleco branco dobrado no braço. Seus olhos, opacos, vidrados. Olhos de capitu.
Cumprimentaram-se com um beijo no rosto. Ele a observou. Ela fitou o chão. Pouco se falaram, e calados, caminharam lado a lado, rua afora.

Minha curiosidade era incontrolável. Tratava-se de um encontro secreto? Seriam amantes? Seria esta a primeira vez que se encontravam na porta do cinema abandonado? De onde se conheciam?
Alguém mais havia reparado neles?
Tinha algo naquele casal que me fascinava. Talvez a diferença de idade, de estilos, de olhares.

Na semana seguinte, no mesmo horário, lá estava a menina de novo, encostada no mesmo pilar diante da entrada da sala vazia. Dessa vez, aguardou 40 minutos. Sua aflição era visível, mas desapareceu assim que o viu despontar no topo da escada.

E a cena se repetiu durante meses. Todas as terças, às 11 horas, a garota dos olhos castanhos esperava. Ele surgia atrasado, apressado. E seguiam juntos. A um outro cinema? A um quarto de hotel? A um apartamento? Eu não sabia... mas fantasiava.

Até que numa manhã gélida de inverno, algo diferente aconteceu. Ele apareceu célere na porta da galeria. Subiu até o cinema, olhou em volta, e não a viu. Com o cenho franzido, sacou o celular do bolso. Discou, esperou. Bufou. Encostou-se no pilar, tenso, e olhou em volta mais uma vez. Tentou o telefone de novo. Esperou 10, 20, 30 minutos.
Quando passou por mim, passos lentos e ombros caídos, posso jurar: lágrimas marejavam seus olhos de ressaca.

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Wednesday, April 05, 2006

Eu mereço um Mr. Darcy


Jane Austen viveu no fim do século 18, início do 19, no interior da Inglaterra. Foi uma típica mocinha casadoira, mas nunca se casou. Chegou a ser noiva de um rapaz mais novo, porém, mudou de idéia rapidinho. Teve uma existência recatada, protegida e morreu virgem, aos 41 anos.

Ainda assim, Miss Austen entendia melhor sobre relacionamentos do que muita mulher moderna do século 21.

Autora de seis romances, a inglesinha era inteligente e sagaz, e transportou essas caracterí­sticas para suas heroínas. Pegue, por exemplo, a minha favorita, Elizabeth Bennet. A protagonista de Orgulho e Preconceito é feminista na dose certa. Não se intimida, expõe suas opiniões. É contra casamento arranjado, mas também não se rasteja pelo amor de um homem.

Que o diga Mr. Darcy. Ah...Mr. Darcy! Assim como Lizzie, no começo o detestamos. No final estamos completamente apaixonadas.

Mr. Darcy é sério, caladão. Beira o tímido. E tem uma cara de tédio...
Consegue imaginar such a British gentleman contando uma piadinha infame? Nem eu.
E discursando: "O problema não é você, honey, sou eu, não estou preparado". Nunca!

Darcy sabe elogiar sem ser um sedutor barato. Erra, admite e conserta. É íntegro, viril e educado. E, ainda por cima, tem sideburns!

Já me peguei, mais de uma vez, querendo que o mundo não tivesse mudado tanto nos últimos 200 anos. Obviamente detestaria os casamentos e amizades por conveniência, a vida ociosa, os rígidos padrões de comportamento impostos pela sociedade hipócrita. Mas, em compensação, existiriam mais cavalheiros à moda antiga, para quem os significados de respeito, responsabilidade e caráter fariam algum sentido. Medo de compromisso? Esse conceito não existiria no inglês/português deles. Sumir no dia seguinte? Pois bem. Queria ver. Ia famí­lia, milícia e a paróquia toda atrás!

Pronto. É isso. Está lançada a minha campanha pela volta dos Mr. Darcys à moda.

PS. Se você ainda tem dúvidas que o cara é tudo isso mesmo, corra ao cinema. A bela adaptação cinematográfica de Orgulho e Preconceito ainda está em cartaz. Se preferir, busque o livro. Há também a minissérie produzida pela BBC, com Colin Firth, o eterno Darcy, no papel.

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Suburbano Coração

Nos conhecemos no ponto de ônibus. Ele puxou papo, eu fui simpática. Íamos na mesma direção e, timidamente, ele se sentou ao meu lado. Descobrimos que éramos vizinhos. Eu morava no número 219, e ele, no 261 da mesma Chamberlayne Road.

Uma semana depois, quando caminhava até o ponto, o vi de longe, encostado no muro à espera do 52. Não sorriu para mim, mas reparou no meu novo corte de cabelo. E eu percebi que seus fios eram levemente grisalhos.
Tinha algo de másculo em seus ombros largos e de sensível no seu olhar triste.
Dessa vez, pediu meu telefone.
Começamos a nos encontrar. Uma, duas, três vezes por semana. Depois do trabalho ou aos domingos de tarde.
Ele abria a porta de roupão e chinelos, me dava um beijo rápido e perguntava com seu forte sotaque: “hello, baby, how´re you doing?”. Sempre me esperava com uma xícara de chá verde com hortelã colhido do jardim dos fundos.
Bebíamos, conversávamos um pouco e, por fim, nos metíamos em seu minúsculo quarto de fundos. Eram apenas cinco metros quadrados onde mal cabiam a cama de solteiro, a televisão e o armário.

Trocávamos idéias sobre o noticiário da tevê. Eu pouco falava da minha vida pregressa. Não importava. O que valia é que naquele momento éramos iguais. Eu, babá, ele, pedreiro. Eu, católica não-praticante. Ele, mulçumano desgarrado. Imigrantes do terceiro mundo, batalhando por um lugar ao sol naquela cidade multiétnica e louca.

E afogávamos nossas frustrações, nossa solidão e o cansaço no sexo. Enchíamos aquele cubículo de suor, saliva e gozo.

Um dia, por razões diferentes, choramos juntos.

Então vieram as bombas nos metrôs, e a situação dele se complicou. Ilegal, de origem árabe, não conseguia trabalho. Devia vários meses de aluguel e, por vezes, passava o dia sem ter o que comer. Deprimido, se fechava semanas no quartinho.
Eu nada fiz para ajudá-lo. Acabei me mudando do bairro e fui embora sem me despedir.
Alguns meses depois, passei pela Chamberlayne Road. Desci naquele mesmo ponto e lembrei de nós, caminhando rua abaixo de mãos dadas, rindo, brincando, em direção à lavanderia ou à videolocadora. Fitei, por vários minutos, a porta branca da casa 261. Não tive coragem de bater.

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Tuesday, April 04, 2006

Baile de Máscaras

Arlequins, Colombinas e Pierrots, todos são bem vindos ao meu baile de máscaras. Neste salão, a partir de hoje, vou (me) fantasiar, conversar, dançar, me embriagar, chorar e gargalhar.

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