Le Bal Masqué

Masquerade! Every face a different shade...

Wednesday, May 31, 2006

Veneza



Faz tempo, ouvi um ditado árabe que dizia: nunca volte a um lugar onde foi muito feliz.
Entendi na hora. Não adianta retornar. Nunca será igual. Melhor revisitar mentalmente o local, infinitas vezes se for, mas não macular aquela lembrança com uma nova impressão.

Seguindo tal sabedoria, eu não deveria, por exemplo, botar meus pés novamente no estádio do Morumbi, no Regent´s Park ou em Veneza.

Veneza! Com suas pontes, canais e gôndolas, La Serenissima está no inconsciente da humanidade. Minha idéia particular da cidade de Marco Polo, porém, está ligada a uma sensação de intensa felicidade. Foi lá, na Piazza San Marco, que vi Christophe pela primeira vez.

Cheguei numa sexta-feira ensolarada de inverno. A praça estava incrivelmente deserta e alguns confetes ainda restavam no chão, vestígios do carnaval recém-terminado. C. e eu ficamos deslumbradas e ríamos de tudo: do polaco bêbado, dos japoneses fotógrafos, dos gondoleiros que pareciam saídos do desfile da Armani. Achávamos graça no fato de estarmos num dos cantos mais românticos do mundo na companhia uma da outra e de não termos a menor noção para que direção ficava nosso hotel.

Horas mais tarde, do outro lado da cidade, tomávamos alguns spritz no bar. E foi lá, no Campo Santa Margherita, que vi Christophe pela segunda vez.

Mezzo italiano, demi français, ele estava em Veneza para visitar o amigo Aureliano, o Alfio, que trabalhava na biblioteca municipal. Christophe era lindo, inteligente e engraçadíssimo. Falava com as mãos e era um verdadeiro casanova.

Saímos os quatro de braços dados pela madrugada fria. Caminhávamos sem destino, perdidos pela cidade. Enquanto Alfio nos dava uma aula de história in loco, Christophe cantarolava “Strangers in the Night”.

Por dois dias, não nos largamos. Rodamos todas as pontes, ruelas e canais – dos mais conhecidos aos mais escondidos. O tempo passou vertiginosamente, como costuma acontecer nos sonhos. E domingo chegou, assim como o trem com destino a Padova. E foi lá, na estação Santa Lucia, que vi Christophe pela última vez.

Seria a última vez que veria Veneza também?

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Sunday, May 28, 2006

Take me Back to the Ball Game

Meia-noite: depois de um período de hibernação, cá estou eu, madrugada de sábado, procurando um lugar bacana para dançar. Inibo o bocejo que insiste em abrir passagem e me olho no espelho do carro. Rosto alvo, rímel preto, esmalte carmim, blusa brilhante.

1h da manhã: duas cervejas consumidas e algumas risadas contabilizadas. A banda toca o tema da “Pantera Cor-de-Rosa”. Adoro o desenho. Meio psicodélico, nonsense. Exponho minha teoria de que todas as histórias do personagem são viagens de ácido, mas ninguém parece muito interessado.

1h15 da manhã: na pista, arranjo um par. Um negão cheio de estilo e ginga. Samba como um mestre-sala. E eu, quase uma gringa de tão dura, tento acompanhar. Ele me faz rodopiar. Eu desequilibro. Está além da minha capacidade, mas me divirto.

2h da manhã: descubro que o negão é jogador de futebol. Em véspera de Copa do Mundo, eu arranjo um negão jogador de futebol. Rárárá.

2h05 da manhã: seu nome é Adriano, mas prefere ser chamado de Adrian. Me informa que por R$ 500 conseguirá mudar o nome na certidão de nascimento, RG e afins.
-- Mas Adriano é bonito...
-- Adrian é melhor...
-- Na numerologia?
-- O que é isso?

2h30 da manhã: Jorge Benjor rolando solto nas caixas. Continuo dançando com Adrian(o). Graças a sua paciência de professor, já consigo dar um meio giro sem cair por cima dos vizinhos. Mais um pouco viro dançarina de salão.

2h40 da manhã: Adrian(o) me ergue do chão, me segura no colo e me tasca um beijo. Me mantém no ar por vários segundos. Seus braços são rochas. As pernas, puro aço. Os lábios, o oposto.

4h da manhã: Encosto no bar. Meus pés doem. Já perdi a conta das cervejas. O boleiro-bailarino pede meu telefone e e-mail. Diz que vai me ligar para a gente ir ao cinema.
-- Me diz que horas você sai, pra MIM te pegar no teu SERVIÇO.
-- Umas 19h...
-- Legal. Aí a gente vai ver “O Código da VINSSI”. Você já viu?
-- Não...

6h da manhã: chego em casa. Concluo que as baladas continuam bizarras e inúteis. Mas ainda rendem risos e posts.

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Thursday, May 25, 2006

Amigos Reais

VS é meu amigo há oito anos. Nos falamos quase todo dia. Rimos juntos, trocamos idéias, reclamamos do trabalho. Ele acompanha minhas novelas amorosas e me dá conselhos, como todo amigo.
Se, por acaso, eu encontrar VS na rua, no supermercado ou no shopping, provavelmente não vou cumprimentá-lo. Salvo uma foto, logo após o nascimento de uma das suas filhas, eu nunca vi seu rosto. VS é meu amigo virtual.
Recentemente ganhei mais uma amiga dessa categoria, graças ao Le Bal Masqué. (foi ela quem me propôs o tema deste post).
Houve uma época em que amizades virtuais eram encaradas com preconceito. Coisa de geeks ou nerds incapazes de fazer amigos no mundo desplugado.
Mas isso tudo é uma besteira que ficou na pré-história da internet. Hoje, as fronteiras entre as relações on e offline caíram. Os amigos virtuais se tornam reais. Os reais, no turbilhão do dia-a-dia ou quando vão morar longe, viram virtuais.
E o grande barato da web é proporcionar o encontro de semelhantes que, talvez, nunca se cruzassem por aí. Ou mesmo se os caminhos coincidissem, jamais teriam a oportunidade de conversar. Quem sabe o cara sentado ao seu lado na sala de espera do dentista também adora carros antigos? E se aquela garota do escritório que você nem sabe o nome também leu tudo de Dostoievski? Só vão se descobrir nas comunidades do Orkut.
Já os e-mails e afins são grandes aliados para manter a chaminha de uma amizade acesa.
Porque um amigo precisa ser lembrado, ver que o outro está ao alcance, acreditar que um dia ainda vão conseguir marcar aquela planejada happy-hour, mesmo que leve semanas, meses, anos.
O amigo pode ser de infância, de faculdade, de blog ou de MSN. Quando é sincero, fiel e dedicado será sempre real.

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Sunday, May 21, 2006

Benjamim Botequim

Quando se está beirando os 30, é alta a chance de se ter um amigo romântico, corajoso e levemente maluco que decidiu largar tudo e abrir um bar.
Depois de mais de dez anos na labuta, de acordar cedo, de poupanças e aplicações de renda fixa, alguns resolvem se dar o prazer dos pequenos caprichos ou grandes sonhos. Há sempre aquela que resolve colocar uma mochila nas costas e dar a volta ao mundo e aquele que compra uma Harley Davidson.
Mas os meus preferidos são os que pedem demissão e vão pra trás do balcão.
Ter um amigo dono de boteco é o maior barato. Muito melhor do que freqüentar um bar cujo proprietário acaba virando seu chapa.
Porque o botequim já nasce como uma extensão da sala de estar, das outras tantas mesas de bar que já dividiram. É casa, é comida. E, se bobear, é roupa lavada.
Rola uma cumplicidade, uma familiaridade com o lugar. Não apenas se conhece o garçom pelo nome como ele sabe o seu apelido, a sua cerveja preferida e o seu time do coração.
Para você, sempre haverá um banquinho livre e uma caipirinha no capricho. Pode até aparecer sozinho por lá, que certamente vai encontrar algum conhecido.
Se quiser gastar a tarde ocupando uma mesa e bebericando uma só taça de vinho, tudo bem, ninguém vai fazer cara feia. As portas fecham, você passa para o lado de lá do balcão, pega mais um balde de Original, e nenhuma cadeira vai pra cima da mesa.
O meu bar de amigo é o Benjamim. Mais conhecido entre a diretoria como o bar da Ani.
A feijoada do sábado, dizem, é de comer ajoelhado. Ainda não provei, mas garanto que o escondidinho de abóbora é de lamber o prato.
E, melhor de tudo, foi eleito o ponto de encontro para assistir os jogos da Copa.
Mesmo que você não seja (ainda) amigo da proprietária, tenha uma certeza: o ambiente é pra lá de hospitaleiro. Duvida? Pergunte para a Dona Lúcia, a vizinha septuagenária do Benjamim e fornecedora das deliciosas empadinhas do cardápio. Graças à simpatia da Ani e de sua clientela, o burburinho da madrugada virou canção de ninar aos ouvidos da senhorinha.

PS. Como jornalista e amiga, eu dou o serviço: Benjamim Botequim, R. Vieira de Morais, 1.034, Campo Belo, tel. 5542-6196.

Wednesday, May 17, 2006

Lua de São Paulo

Ontem à noite São Jorge emprestou a lua a São Paulo.
Dirigia pela Av. Bandeirantes quando a vi. Duvidei. Talvez fosse a luz de um poste, um outdoor iluminado, um balão de promoção. Até que veio a curva e aquele lindo sol noturno se postou bem diante de mim. Estava enorme, amarela e muito, muito baixa.

Ontem à noite a lua estava mais próxima da Terra.
Com a atenção um pouco no trânsito e outro tanto no horizonte, tentava não perdê-la por entre os muitos prédios e as parcas árvores. Parecia que ia quicar no chão. Quase tocou os edifícios do Itaú e o avião da TAM que decolava.

Ontem à noite a lua perfeita observava a cidade imperfeita.
Estava cheia, começando a minguar. Dourada, anunciando o dia ensolarado de hoje.
As nuvens passeavam ao redor dela, envolvendo-a num véu de viúva. Dama solitária de um céu sem estrelas.

Alguém, além de mim, reparou na lua ontem?
Alguém, por um instante, esqueceu a tensão, o caos, o medo, e lembrou que ainda existe beleza em São Paulo? No Brasil? No mundo?

Monday, May 15, 2006

New York Movie (1939)



“Here´s looking at you, kid”, disse Bogart mais uma vez, cínico e apaixonado.
A cena se repetia na tela, mas ela continuava alheia à magia hollywoodiana.
O filme à sua frente era outro. Sonhava a própria história, repassava o próprio script, sofria a própria separação.
Sua beleza não era a de Ingrid. Sua volúpia não era a de Rita.
Seu cenário não era Casablanca, Veneza ou Paris.
Seu galã não era Cary Grant nem Sinatra.
Mas logo ali depois da ponte, num apartamento de subúrbio, havia vivido seu romance cinematográfico.
Com direito a “grand premiére” e “the end”.

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Wednesday, May 10, 2006

Uma Noite das Arábias

Malu estava praticamente no fundo do poço. Não. Pensando bem, ela estava na lama mesmo. No abismo. Num apocalipse amoroso.
Tudo por conta de um ex-namorado médico que mais parecia monstro.
Então, veio o convite pra sair. O moço trabalhava no mesmo andar. Era o motoboy que subiu na vida e agora tinha sala, secretária, usava calça social e gravata. Cuidava de vendas.
Malu topou. Afinal, ele era gato, havia deixado escapar que curtia fotografia e tinha nome de cantor de bossa nova.
E lá foi ela, de saia-lápis, meia-calça e salto-agulha pra garupa do João Gilberto. Desajeitada, com medo de sair pela tangente em cada curva, mas gostando daquela proximidade com o corpo dele.
Não entendeu nada quando a motoca parou na calçada da rua Vergueiro. Era o pneu? Alguma coisa havia caído? Demorou alguns minutos para aceitar o fato: ele a havia levado para jantar na Esfiha Chic! Sim, meus amigos, nem no Habib´s era.
Malu tentou o jogo do contente. Do que adiantavam luxo e requinte? Mais valia um motoboy príncipe que um médico sapo. E mandou ver duas abertas de carne e um chopp no copo de plástico.
O papo seguia animado quando JG, depois de fazer desaparecer o último pedaço de quibe, começou escancarada e despudoradamente a ... palitar os dentes!
Malu desviou o olhar pro teto (diz a regra que quando você começa a reparar no teto do lugar, está na hora de ir para casa) e lembrou do Dr. Jekyll. Até que ele não era tão Mr. Hyde assim...

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Sunday, May 07, 2006

A Fotografia

Aquela fotografia não era a única na sala de visitas, mas, por alguma razão ainda misteriosa, se destacava das demais. Aos meus olhos, pelo menos.
Eu estava hipnotizada pela imagem em preto-e-branco daquele moço bonito sentado no chão, um braço erguido, longa franja caindo no rosto, sorrindo provocante, com ar de quem tudo podia.
Tentava me concentrar na conversa, nos livros da estante, nas relíquias de viagem espalhadas pelo apartamento, mas minha curiosidade não se dissipava. Ato contínuo, minha atenção era atraída para o canto onde o porta-retrato pousava sobre o móvel.
Era um retrato antigo. Percebia-se. Anos 60. Jeitão nouvelle vague. Não era do seu Antonio, dono da casa. Nem de ninguém que eu conhecia.
Estaria eu sofrendo de nostalgia do não-vivido? Seria uma repentina paixão platônica? Ou ele me recordava alguém?
Sentia urgência em saber sobre aquela foto, sobre aquele homem.
Logo descobri: seu nome era Mario della Valle, amigo de muitos anos do meu anfitrião. A foto tinha sido tirada havia mais de três décadas, no quarto do seu Antonio na Pensione Danubio, em Roma.
Mario della Valle era filósofo, discípulo de Piaget, uma mente extraordinária e maluca, segundo me contaram.
Flertava incessantemente com o perigo. Provou de tudo. Foi preso por porte de drogas em terra estrangeira (Marrocos, talvez, ninguém soube me precisar) e seu passatempo predileto era arquitetar grandes roubos.
Planejou uma pilhagem ao Museu do Vaticano. Esteve lá inúmeras vezes e tinha até um projeto desenhado.
Uma noite chegou às vias de fato e, com um amigo, invadiu uma peleteria. E saiu distribuindo casacos de pele para as amigas.
Tinha uma namorada eterna, Laura, com quem chegou a se casar. Mas a traía muito e sempre.
Foi e dizia que seria assim, “até que viesse o câncer libertador”. E veio cedo, muito cedo, em meados dos anos 80. Uma estranha doença óssea que talvez hoje se diagnosticasse como AIDS.
Recentemente, fui presenteada com uma “foto da foto”. E agora, Mario della Valle, essa estrela intensa e fugaz que nunca pisou no Brasil e nem imaginava a internet, continua a reluzir. Na sala de estar de um apartamento em Niterói e neste baile de máscaras virtual.


Obs. Agradecimentos a Francesca, Inês e Érico.

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Tuesday, May 02, 2006

A falta que ele me faz

Ele sempre esteve mais perto do céu. Fosse pela estatura, fosse pelo fato de nunca ter posto os pés totalmente no chão. Planava. Sonhava.
Príncipe da delicadeza, senhor da sensibilidade, era nadador disciplinado, dançarino de salão, cantor de chuveiro e poeta bissexto.
E era meu amigo. Acima de tudo.
Segurava forte o meu braço, me olhava nos olhos e dizia: “Eu acredito em você!”.
Caminhava na minha direção sempre trazendo um meio sorriso no canto da boca.
Achava lindo aquele meu defeitinho que tanta vergonha me causava.
Um dia, combinamos de ver o nascer do sol. Ele se levantou a tempo. Eu, não.
Não bebia cerveja, mas amava sobremesas.
Na última vez, dividimos uma pizza de chocolate.
Na penúltima, dançamos descalços e cantamos Roberto.

Tê-lo arrancado da minha vida foi a maior agressão que sofri.
O choque passou, a aceitação chegou. Mas a falta que ele faz.... essa só cresce.

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